sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Cotas: reparação?

O sistema de Cotas prevê a reserva de vagas para estudantes auto-declarados negros e provenientes de escolas públicas. A justificativa é que o processo histórico depreciativo ao qual os negros foram sujeitos gerou uma maior dificuldade no acesso à Universidade, o que causaria uma desigualdade social, já que os afro-descendentes não teriam as mesmas qualificações necessárias para concorrer às oportunidades profissionais.
A desigualdade racial é um fato em nossa sociedade, mas não é atacando as conseqüências que vamos resolver o problema. É obvio que algo tem que ser feito, mas, se os negros não têm uma maior inserção no âmbito acadêmico, é porque não têm uma educação de base adequada. A ausência de uma maior diversidade racial e cultural na Universidade é uma questão educacional e não discriminatória. Ao estabelecer esta política de cotas, o governo exime-se da reforma - que se faz urgente - na Educação. “O principal caminho para o combate à exclusão social é a construção de serviços públicos universais de qualidade nos setores de educação”, é o que afirma o manifesto contra as cotas elaborado por representantes de diversas áreas do conhecimento (incluindo membros de movimentos negros contrários aos sistema de cotas) e entregue ao Senado.
Alguns não percebem que esse sistema torna a disparidade ainda maior, pois, apesar de diminuir a diferença numérica entre brancos e negros, com o nível superior completo, aumenta a discrepância da qualidade dos profissionais que saem dessas Universidades, que já não era, em alguns casos, satisfatória. Entram alunos com déficits graves nas suas formações de base, que, em muitas das vezes, não conseguem superar, a contento, suas dificuldades. Outro ponto a ser levantado é que as políticas de cotas, na tentativa de reparar um erro histórico, cometem um novo, pois “cada vez que se classificam as pessoas por raças estabelece-se uma divisão que parece natural, biológica, mas que na verdade não é. Cria-se um corte artificial na sociedade”, afirma a antropóloga da USP, Eunice Ribeiro Durham. É “a formalização jurídica da distinção racial (que não sabemos de que modos podem vir a ser usada).”, reitera a Dra Silvia Pimenta Velloso Rocha, Professora de Direito da UERJ, e conclui “é a predominância do critério racial sobre o critério sócio-econômico. Pois em outros espaços sociais, como o mercado de trabalho, o preconceito racial, é sem dúvida, um elemento ativo, mas no vestibular as provas são anônimas e os examinadores não sabem a cor ou o fenótipo do candidato. A dificuldade de acesso dos negros e pardos à universidade decorre, portanto, não de suas características físicas, mas de sua origem sócio-econômica”. Não podemos perder de vista que existem, e não são poucos, “brancos” que também não têm acesso a uma educação de qualidade e que, por conseqüência, vêem-se impedidos adentrar em espaços acadêmicos. Seria mais sensato, já que esse processo mostra-se, cada vez mais, irreversível, o estabelecimento de cotas sociais ao invés de raciais. A Professora Dra Silvia pimenta chama ainda à atenção para uma situação que tem se delineando nos últimos tempos dentro das faculdades: “alunos negros dos cursos mais disputados (como direito e medicina), passaram a ser vistos de forma paternalista ou desconfiada, suspeitos de não terem tanto mérito quanto os demais (risco que pode se estender para o aluno já formado); em função disso, muitos alunos negros ou pardos fazem questão de deixar claro que "não entraram pelas cotas", pretendendo assim afirmar seu mérito e reforçando desse modo a idéia de que os cotistas são menos capazes. A discriminação, nesse caso, passa a ser entre cotistas e não cotistas.”. Assim, aqueles que antes conquistavam, a custa de muito trabalho, o seu lugar no tão concorrido espaço acadêmico tem, agora, as suas credencias meritocráticas postas em dúvida. E, a tendência, é que isso extrapole os limites das universidades para o mercado de trabalho.
O que se pode concluir disso tudo é que, ao tentar fazer uma reparação – que deve ser feita –, o Governo coloca estudantes de níveis distintos (sim, distintos, pois, se assim não fosse, as cotas seriam desnecessárias, para aqueles que acreditam em sua necessidade e eficácia), em um mesmo contexto competitivo, e ainda tira daqueles poucos que conseguiam entrar na universidade o seu mérito. A diferença, no entanto, é que não há cotas no mercado de trabalho. Ops! Problema resolvido, já há um projeto de lei com vistas a resolver essa questão. O projeto impõe que 20% do quadro de funcionários sejam preenchidas pelos afro-descendentes. Uma emenda atrás da outra. Isso vai longe...

Alan Nunes Machado Júnior

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