domingo, 30 de maio de 2010

Ler - Correlacionando "O Leitor", "Diferentes formas de Ler" e "Leitura na Intimidade"

Bruno Sofrozine

Houve um tempo em que o hábito de ler, principalmente quando mais freqüente entre mulheres, era visto como perigoso.

A leitura nem sempre se deu da forma como imaginamos, da maneira com a qual estamos acostumados: solitariamente, silenciosa e intimamente, de modo a não dificultar a concentração. Àquela época, essas idéias seriam execráveis. Simplesmente o fato de ler em silêncio já era, por demais, estranho. Era espantoso que se lesse sem oralizar, pois muitos nobres, do século IV d.C. ao século XIV, precisavam falar as palavras para compreender o texto.

Ainda mais esquisito, àquele tempo, seria essa intenção de que todos devem ler, e ler, sobretudo, romances, que poderiam comprometer a moral das mulheres. Acreditava-se que, lendo romances, elas corriam de se identificar com as personagens. Temia-se a proximidade estabelecida entre o real e o fictício. Chegou-se ao ponto de, na França, ser proposta uma lei que proibiria a criação, a edição e a circulação de romances.

Assim, como boa parte da Europa se preocupava em proibir e dificultar a leitura, as formas de leitura e as concepções sobre o ato de ler mudaram. Márcia Abreu aborda, em seu texto, “Diferentes Formas de Ler”, que a nossa idéia de ler está relacionada aos pensamentos e imagens construídos nos séculos XVIII e XIX. Os livros vêm, desde então, se tornando símbolo de alto intelecto e posição social. A maneira como as pessoas são retratadas em pinturas, com vários livros em volta, indicam suas vontades de evidenciar o íntimo.

O texto chama a atenção também para o que é lido. Revistas, jornais, HQs, também fazem parte do nosso universo. A leitura, que é sim indicação social, também é, e deve ser, feita por prazer.

No texto Leitura na Intimidade, vemos uma breve reflexão sobre o ato de ler na cama. Mas antes disso, ele sugere que deve ocorrer uma relação de desacordo entre o livro que lê e o lugar onde lê. Como exemplo disso, podemos tirar, do filme O Leitor, uma cena em que a personagem Michael lê, para Hanna, um livro erótico na banheira. O autor, contudo, vai mais longe; ele diz que tão relevante quanto o contraste entre conteúdo e ambiente são as posições de leitura. A partir daí, tiramos outro exemplo da obra fílmica: uma cena em que Michael, deitado de bruços, lê uma revista em quadrinhos para Hanna. Podemos ainda relacionar essa passagem com o texto de Márcia Abreu, ressaltando a variedade da leitura.

Em “O Leitor”, Michael é um garoto de quinze anos que se envolve, sexualmente, com uma mulher mais velha; Hanna era uma cobradora de bonde de uma cidade alemã, a cidade em que viviam. A década era a de 1950.

Mais tarde, se descobrirá que Hanna não lê; isso a trará sérias complicações. A relação instituída entre ela e Michael pode-se dizer que é de troca – embora ele não esteja tão ciente disso. Ela impõe uma condição de que qualquer relação sexual se dará somente após ele ler para ela. Assim, pode-se já imaginar que, mesmo quando estão se deleitando com os livros, eles passam boa parte do tempo na cama.

No texto de Manguel, é dito que ler na cama é um ato que remete ao reino da luxúria. A própria expressão “levar um livro para cama” já conota essa eroticidade. Na Europa dos séculos XVI e XVII, os quartos eram isolados. Eles constituíam os corredores das mansões, impossibilitando assim uma total tranqüilidade. Os gregos tinham uma cama especial, os romanos tinham uma cama para cada atividade. Ler na cama, muitas vezes, podia ser um risco até mesmo para as relações interpessoais. Até o século XIX, o quarto ainda não era visto como privado.

Diante de tudo, vemos que a leitura é variável. Essa idéia que já está enraizada em nossas mentes não é o que condiz com a realidade. Lugar, maneira, tempo, condições, tudo isso influi no nosso entendimento. E qualquer leitura é válida.

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