terça-feira, 6 de julho de 2010

Aborto – Legalizar ou não legalizar? Eis a questão.

Bruno Sofrozine

Eu tenho uma amiga que é Testemunha de Jeová. Se não me engano, é essa religião – ou uma das religiões – que desaprova a doação de sangue. No entanto, essa minha amiga, apesar de praticante fervorosa, confessou-me certa vez, quando seu filho sofreu um acidente de moto e precisou de uma transfusão, que, se seu sangue fosse compatível, ela doaria sem pensar duas vezes. Isso me faz pensar que são nas horas de aflição que vemos no que realmente acreditamos.


Faço essa analogia para justificar que debates sobre quem é contra ou a favor do aborto são, em minha humilde opinião, inúteis. Desta forma, revelo, já de antemão, que não tenho opinião inteiramente formada sobre o assunto, embora tenda a ser contra. E nem pretendo convencer-vos do que é certo ou errado. Intento, contudo, levantar fatos relevantes para a formação de opinião.


Partindo do ponto de vista teológico, creio que o “x” da questão seja quando, afinal, começa a vida. Questão também tratada na polêmica pesquisa de células-tronco. Eu não tenho religião declarada, mas acredito muito na doutrina espírita. Assim, acredito que a alma se une ao corpo já na concepção. Os muçulmanos, por sua vez, acreditam que o ser humano adquire sua alma somente na 16ª semana da gestação, que é quando o embrião se transforma em feto. Além disso, muitos profissionais da ciência, tais como neurocientistas e geneticistas, atribuem períodos distintos para o início da vida.


Perguntas como essa são intrigantes, mas há quem argumente, apesar de tudo, que a pergunta mais importante não é quando começa a vida, mas quando o feto atinge o mesmo status de uma pessoa. Há quem diga que um feto nunca terá a mesma importância de uma pessoa, pois o que nos define é a nossa consciência e a noção de futuro. Para alguns juristas, somente ao nascer o bebê adquire os direitos garantidos pela constituição.


Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, aborto é a expulsão de um feto ou embrião por morte fetal, antes do tempo e sem condições de vitalidade fora do útero materno. É proibido no Brasil salvo os casos de estupro e risco de vida para a mãe. No ano de 2004, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, criou mais uma exceção para o caso de fetos anencéfalos, mas que foi revogada pela Suprema Corte. No Código Penal Brasileiro não há artigo que mencione o caso de anencefalia, mas, como pensam alguns, não é preciso, visto que a criança não tem possibilidade de sobrevivência.

Teoricamente, crianças anencéfalas viveriam somente por algumas horas. Por que então, como defende o religioso Silas Malafaia, não deixar que o individuo nasça, venha ao mundo e, ao menos, cumpra seu papel? O aborto de anencéfalos consegue ser de uma crueldade pavorosa. Em todo o mundo, mas principalmente nos Estados Unidos, fetos com mais de 1kg são retirados em cesarianas e jogados em latas de lixo onde agonizam por horas.

Voltando minha visão para a religiosidade, o espiritismo entende que, no caso de risco de vida para mãe, há duas vidas em confronto e é necessário escolher uma:

Dado o caso em que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?
- Preferível é que se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe. (KARDEC, 1987, p. 202)

Despreza, porém, o direito da mulher sobre o próprio corpo como argumento para a legalização do aborto já que o corpo em questão não é mais o dela.


Em 2005, o médico Drauzio Varella declarou-se a favor da legalização do aborto, ao Jornal Folha de São Paulo, desde que em um período de até três meses. Ele disse que, na verdade, o aborto já é liberado, mas somente para quem pode pagar; que tudo é uma questão de acessibilidade, que as mulheres pobres não têm. Drauzio declarou-se pessoalmente contra o aborto, mas acredita que, legalizando, irá diminuir os índices de criminalidade na área.


Em 2007, pouco antes da visita do Papa Bento XVI ao Brasil, o então Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e a Secretária de Política, Nilcéia Freire, defenderam a legalização do aborto, pois, para eles, o caso é de saúde pública, visto o grande número de abortos clandestinos no Brasil. O próprio Presidente Lula assumiu que, apesar de particularmente contra o aborto, tinha de tratar a situação como um estadista.


Contudo, nem de longe temos garantia de que a descriminalização do aborto vai reduzir a criminalidade. Talvez, tudo seja – como sempre é – um problema social. Será que, se as condições do cidadão brasileiro fossem melhores, se não houvesse tanto desemprego, se a educação fosse tratada com a importância que merece, haveria tantos enganos na gravidez?


Aborto não é método contraceptivo; é conseqüência. E uma triste conseqüência. Algumas técnicas abortivas podem causar danos irreversíveis para mulher, tanto físicos quanto psicológicos. Abortárias são sete vezes mais propensas ao suicídio e dez vezes mais propensas ao aborto espontâneo no segundo trimestre de uma gestação posterior.  Esterilidade, ablação uterina, hemorragias, queda de autoestima, perda do desejo sexual, insônia também figuram as complicações de uma gravidez interrompida.


Versando novamente sobre a questão da saúde pública, todo profissional médico tem de fazer o Juramento de Hipócrates – um documento filosófico que desde dois milênios atrás já era contra a retirada da vida. Deste modo, há toda uma questão ética e moral do médico envolvido. Lembrando ainda que, apesar do aborto ser permitido em alguns casos, o profissional da saúde não é obrigado a fazê-lo se houver conflito com sua religião ou com seus valores. Por isso, esse argumento não pode ser totalmente aceito.


Bem... Como disse ao início, apesar de ser naturalmente contra, sou somente por causa de questões morais e construções sociais que nos impõem uma cultura do que é certo ou errado. Nunca me permiti refletir profundamente sobre o tema e retomo minha alusão feita no primeiro parágrafo. Se a legalização do aborto ajudará ou não na saúde pública, não sabemos; estamos ainda em um âmbito especulativo. É fato, porém, – e eu não fecho os olhos para isso – as complicações, os riscos, inimagináveis que métodos abortivos podem trazer à saúde humana.

2 comentários:

  1. O melhor Artigo de Opinião que li neste site até agora. Apesar de nossas opiniões serem divergentes, seu texto foi muito bem escrito e apresentou argumentos válidos e lógicos. Passei apenas para parabenizá-lo por isso.

    ResponderExcluir